A Evolução do Cavalo Lusitano

Arsénio Raposo Cordeiro

Recuando até à última glaciação, tudo indica que a zona baixa das planícies do SW ibérico foram poupadas a este último período glaciar. Este facto singular terá permitido aqui a sobrevivência de um grupo equino evoluído que permitiu a domesticação muito cedo e a equitação superior que nesta região parece ter precedido todas as outras.*

História do Cavalo Lusitano

Este cavalo Ibérico terá, segundo tudo hoje leva a crer, viajado para oriente até ao Norte de África e Ásia Menor e daí até à China do 1.º Imperador.**

O cavalo Lusitano é o descendente directo deste cavalo Ibérico, antepassado de todos os cavalos que estiveram na base da equitação em todo o mundo, desde a Europa ao Norte de África, à Ásia Menor, à Índia e à China.

Graças ao isolamento desta zona da Europa, aqui sobreviveu e evoluiu desde há cerca de quinze mil anos este cavalo extraordinário quase completamente livre de influências estranhas até há bem pouco tempo.

Foi, pelo menos desde a Antiguidade Clássica, usado como melhorador desde a bacia do Mediterrâneo até às bacias dos mares Negro e Cáspio.

Este cavalo constitui hoje uma preciosa herança genética da Andaluzia e de Portugal.

Por razões diversas e critérios de selecção divergentes nos últimos trezentos anos, as características do efectivo originário da região andaluza e de Portugal afastaram-se, mantendo-se este último mais próximo do cavalo ibérico original, de que ambos descendem.

É esse cavalo que dá origem à lenda grega do Centauro, quando por aqui homens e cavalos se confundiam num só. É aqui que na Antiguidade Clássica se acreditava que as éguas prenhes só do vento parem os “Filhos do Vento”, os cavalos mais velozes da Antiguidade.

 

Cavalo Lusitano

Este cavalo expande-se por toda a Europa, Ásia e Norte de África, sendo usado ainda no século XVIII como melhorador universal.

É só nos séculos XIX e XX que vem a sofrer diversas infusões de sangues estranhos, em consequência da necessidade de maior força de tracção.

São só duzentos anos, mas o efeito abastardou dramaticamente o efectivo tendo-lhe dado maior dimensão e peso, retirando-lhe ligeireza.

Também o psiquismo se degradou perdendo-se “finura”, ardência, vibração e o “desejo de adivinhar a vontade do cavaleiro”.***

Degradam-se parte das suas características originais, mas na natureza nada se perde, tudo se transforma.

Se hoje chegámos onde chegámos, com cavalos maiores e melhores, foi graças à acção inteligente dos criadores e à base de uma genética fortíssima que quinze mil anos de selecção não deixaram destruir por duzentos anos de perturbação, tirando, ao contrário, partido destas influências e chegando hoje à produção de cavalos de maior dimensão e de qualidade de andamentos, capazes de ombrear com todas as raças especializadas, em quase todas as modalidades do desporto equestre moderno.

Portugal entre 1974 e 1975 atravessou um período revolucionário durante o qual muita coisa foi posta em questão. Uma demagógica “reforma agrária” inspirada por um poder político ignorante da realidade levou à ocupação indiscriminada de terras em todo o Ribatejo e Alentejo, pondo em risco a sobrevivência da raça Lusitana.

Foi uma “fantasia” que morreu por si, mas antes fez unir todos os que se preocupavam com aquele património nacional no intuito de, embora admitindo vir a perder as suas propriedades, salvar a raça Lusitana da extinção a que parecia estar votada.

Anteriormente criador de PSI, Árabe e Anglo-Árabe, e já ocupado no pouco que tinha, juntei-me a este grupo de criadores e partimos para Aveiro, tentando arrendar a ilha do Monte Farinha e outras terras para deslocar para aí um numero significativo de éguas de raça Lusitana.

Faziam parte deste grupo:

  • Fernando d’Andrade, presidente do Livro Genealógico;
  • Fernando Palha;
  • António José Teixeira;
  •  António Alcobia;
  •  Manuel Veiga;
  •  Manuel Coimbra;
  • Telles de Carvalho;
  • Entre muitos outros.
História da Evolução do Cavalo Lusitano
Evolução do Cavalo Lusitano

A “revolução” passou mas este alerta ficou e obrigou-nos a pensar. Resolvemos então reequacionar tudo o que se refere à selecção e melhoria da raça Lusitana.

Um pequeno grupo de que fiz parte, presidido por Fernando d’Andrade, com Guilherme Borba, Filipe Graciosa, Fernando Palha, Alfredo Baptista Coelho e Luis Cabral redefiniu então com muito rigor o padrão da raça, base de partida fundamental para a melhoria na selecção. Isto passou-se há apenas trinta anos e a evolução consequente da raça é deslumbrante!

Claro que o mérito é inicialmente daquele grupo, mas é de todos os que acreditaram e seguiram na sua selecção aquele modelo que então se afinou.

Mas como foi possível em tão pouco tempo a raça ter regressado, em grande, às suas características ancestrais?

A explicação é simples, depois de dois séculos a remar contra a maré, quando todos perceberam e aproaram no sentido da corrente que nos impunha a própria raça, os resultados surgiram como um milagre.

A raça estava apenas mascarada, mas estava lá, eram milhares de anos de selecção, era um património genético que sobreviveu a todas as infusões de sangue estranho e que só esperava que nos uníssemos para se soltar e devolver a Portugal o seu cavalo milenar!

Cabe aqui uma palavra de gratidão à família Veiga, que teimosamente resistiu durante já quatro gerações a todas as modas e influências, garantindo uma ajuda fundamental na recuperação da raça Lusitana.

Mas os genes da raça sobrevivem em todas as Coudelarias. Na minha experiência de apenas trinta anos de selecção, a evolução só foi possível porque a raça estava lá, só à espera da sua libertação na pujança dos seus genes.

Partindo de éguas de diferentes origens, procurando seguir o padrão da raça na selecção com a maior exigência, de geração em geração a melhoria é visível e só tem explicação no enorme potencial genético da raça Lusitana.

Hoje, a sobrevivência da raça exige que se defenda a sua variabilidade genética.

É importante que se mantenham as quatro grandes famílias dentro do efectivo actual.

Alter com a Coudelaria de Alter, a Fundação Eugénio de Almeida e a Casa Cadaval; a Coudelaria Nacional; o Grupo Veiga com as Coudelarias Veiga, Coimbra e Núncio, e a Coudelaria Andrade, são a base de todo o efectivo actual, e a garantia da sua viabilidade.

Na definição do padrão, a informação histórica e os conhecimentos de equitação da gineta foram preponderantes.

Recentemente reunimos todos os juízes portugueses da raça Lusitana para reapreciação, trinta anos decorridos da justeza do texto que definiu o padrão da raça e nada foi considerado necessário corrigir.

Não quer dizer que não venham a ser feitos ajustes.

Neste momento, a competição, o toureio, a arte equestre utilizam cada vez mais cavalos Lusitanos em todo o Mundo.

No nosso cavalo, a “forma” resulta de uma “função” aperfeiçoada durante milénios, e nada impede que agora e no futuro, nesta vertigem da evolução da raça reencontrada, a função cada vez mais exigente não venha a produzir uma “beleza” cada vez maior e que leve a reanalisar a definição do padrão da raça Lusitana.


 

*Vide F. Sommer de Andrade, “O Filho do Vento”, in Cavalo Lusitano, Lisboa, Edições Inapa.
**Vide Paulo Gavião Gonzaga, A History of the Horse, J. Allen.
***Manuel Veiga


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